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Green Ideas

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O Natal visto da minha Janela

25.12.24 | Ana D.

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Da janela do seu quarto, olhava a Praça.

Era tempo de Natal e a Praça estava linda com a ornamentação natalícia. Ao centro, uma enorme árvore de natal, engalanada com lindos enfeites e uma bela iluminação. Junto dela estava o marco do correio, onde as crianças depositavam as suas cartas endereçadas ao Pai Natal. Havia ainda um carrossel, uma pista de gelo e o mercadinho de Natal. Estava, enfim, tudo preparado para que as famílias e amigos pudessem viver mais um Natal. 

Dali, daquela janela, podia observar com atenção as pessoas apinhadas a tirar fotografias para mais tarde recordar... Podia ver o êxtase das crianças, que impacientes, aguardavam o momento de chegar junto do Pai Natal para lhe contar como se portaram durante o ano e assim conseguir os almejados presentes... Podia ver a azáfama de quem tentava comprar alguns presentes no mercadinho, na expetativa de "encolher" a sua lista de presenteados. 

Dali... daquela janela... via risos e sorrisos de alegria, olhares enlevados pela magia do Natal, o amor dos avós com os filhos e netos, os jovens enamorados fazendo votos de amor eterno junto da estrela cadente, a fraternidade das famílias e amigos que por ali se juntavam para viver o Natal na Praça. E nem o frio ou a neve, os impedia de por ali estarem.

Dali...daquela janela, tanto via.

Já do outro lado da Praça. Outro alguém olhava a mesma Praça. Local de adornos banhados de tantas cores diferentes, tão sem cor... Os sorrisos de conhecidos e desconhecidos...talvez verdadeiros ou talvez falsos ou nenhum dos dois. De lá, da outra janela, tão perto da felicidade dos outros, mas tão longe da felicidade própria, observava as lojas decoradas com pais natais e renas ou até bonecos de neve. Tudo aquilo com tanto significado para os míseros 25 dias que compreendem o período de Natal. Talvez apenas umas bugigangas quaisqueres. O que é certo é arrumarem-se logo após os embrulhos serem rasgados. Coisas fúteis, sem significado, tal como esta época. Perante restaurantes com ambientes festivos e depressivamente felizes, vê-se de lá, daquela janela, as pessoas e os seus sorrisos...

- Claramente alguns destes indivíduos apenas se lembraram uns dos outros por ser Natal - diz a alma atormentada.

No entanto, há algo que vale a pena no meio de toda a tormenta que o Natal significa. É que de lá, dessa janela, é possível ver outra... Estranhamente, ao contrário da atração principal da cidade que era a gigante árvore de natal colorida de diferentes tons de cinzento, aquela janela tornava os olhos daquele ser tão deprimido, em reclusos. Preso ao que via através de lá dessa janela vê as diferentes cores das luzes tão coloridas e vê um sorriso verdadeiro, sem sombra de dúvida verdadeiro. As duas janelas não se conhecem, mas há algo que as une: o olhar de quem, através delas, foca a sua atenção na outra.

De lá dessa janela...tanto não se via.

Os olhares presos em cada uma das janelas olham para o mesmo cenário. Olham para o Natal na Praça. Olham até mais além, detendo-se na ação das personagens que preenchem e dão vida ao cenário natalício mas o que vêem é diferente... sobejamente diferente... quão diferente quanto a alma e o coração lhes permite ver... quão diferente, quanto a vida lhes foi mãe ou madrasta, doce ou amarga... quão diferentes foram os natais já vividos ou quão diferentes são as expetativas sobre os natais vindouros. 

E é assim, como se estivéssemos numa qualquer janela daquela Praça, que todos nós olhamos o Natal, mas o que nele vemos ou não, será sempre apanágio de cada um, tal como acontece naquelas janelas onde, ora de um lado tanto se via, ora de outro, tanto não se via.

Pois que de cada uma destas janelas viradas para a Praça, os olhares deitados ao Natal na Praça vão também mais além, detendo-se mutuamente na silueta entrecortada por entre a luz que vêm na janela defronte da sua. 

Observam-se mutuamente, sem saber. Sabem-se reclusos de cada uma das suas janelas, mas curiosos do que as perpassa. Sabem-se desconhecidos, mas ávidos de um interesse que os seus olhares trataram de ver, ante aquela Praça natalícia onde tantos outros os vêm. Naquela Praça, onde tantos se perguntam porque estarão ali reclusos das suas janelas e porque não se lhes juntam para, ao invés de meros observadores, viverem o Natal na Praça.

Mas talvez, e apenas talvez, ambos preferissem as janelas.

A da alma sorridente, que apreciava o brilho das luzes e a harmonia das famílias, era um refúgio de onde se absolvia da vida. E a da alma atormentada, ainda que tingida de cinza e desalento, oferecia um canto seguro para ponderar, criticar e, quem sabe, encontrar algum sentido perdido na grandiosidade artificial daquela festividade.

Na noite de Natal, um acaso do destino fez com que as duas almas, até então distantes e apenas ligadas pelo fio invisível dos olhares cruzados, saíssem das suas janelas. O som de uma música suave na Praça, vindo de um coro, pareceu envolvê-los como um chamado irresistível.

A alma sorridente desceu pela primeira vez para tocar o mundo que antes apenas admirava de longe. A alma atormentada, impulsionada por uma melancolia diferente – talvez a curiosidade de encontrar a razão daquele sorriso verdadeiro que tanto a intrigava – também se deixou levar.

Quando se encontraram no centro da Praça, em frente à grande árvore de Natal, as luzes que outrora pareciam artificiais começaram a ganhar um novo tom. Não disseram nada no início, mas havia nos olhos de ambos um reconhecimento mútuo, como se de alguma forma, mesmo sem palavras, soubessem que haviam sido observados.

- Parece menos cinzento daqui - disse a alma atormentada, hesitante, olhando ao redor.

- E parece ainda mais bonito quando se divide - respondeu a alma sorridente, oferecendo um pequeno sorriso.

E assim, por aquele breve instante - apenas uma troca de palavras e um olhar compartilhado – ambos sentiram que talvez o Natal não fosse apenas aquilo que viam de suas janelas. Era também o que se construía quando se tinha a coragem de atravessá-las.

Naquela noite, o Natal na Praça ganhou um novo brilho, um que nenhuma decoração poderia criar: o brilho da esperança nascida de um encontro. E, ao se despedirem, cada um retornou para sua janela... mas, desta vez, com uma visão diferente, colorida pelo toque fugaz de um olhar compreendido.

Filipe D. e Ana D.

Este ano o Conto de Natal foi escrito pelo meu filho Filipe D. e por mim em resposta ao Desafio "Contos de Natal - 2024" proposto pela Isabel do blog "Pessoas e Coisas da Vida" a quem agradeço!

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